Um Pouco sobre a nossa Jornada com a História do Pandeiro
Não é fácil encontrar uma história do Pandeiro que seja razoável e satisfatória.
Eu sempre tive dificuldade de achar este tipo de conteúdo não só na Internet mas também nos livros.
Dessa forma, como escritor, compositor e músico profissional, resolvi realizar uma pesquisa séria e criteriosa, que reunisse informações relevantes com provas documentais, referências e citações históricas.
Assim, tentei responder algumas dúvidas e satisfazer o interesse dos amantes deste instrumento incrível: o Pandeiro.
Em seguida, transformei o resultado completo da minha pesquisa no meu livro Pandeiro Workshop.
Este livro foi publicado por uma Editora da Alemanha e, por esta razão, saiu como uma edição em formato bilíngue, isto é, escrita em português e alemão.
Além disso, o livro Pandeiro Workshop contém um método prático para se tocar o instrumento de forma fácil e rápida, bem como um Glossário que explica vários termos e ritmos.
Aqui, neste artigo, História do Pandeiro: da antiguidade aos tempos atuais, eu trago portanto um Resumo do meu trabalho de pesquisa, reescrito de forma mais leve e direta.
O meu objetivo, com isso, foi tornar esse conhecimento acessível a todos.
Afinal de contas, todo o conhecimento deve ser democraticamente distribuído de forma gratuita.
Espero que gostem!
A Percussão e as Atividades Ancestrais
A música em geral, especialmente no caso da percussão, sempre acompanhou a vida dos homens.
Isso inclui as festividades sagradas ou profanas, em sinais de luto ou de júbilo.
Tais atividades existem desde que os povos mais antigos (como os fenícios e egípcios) decidiram se expressar através da Arte.
Antes de tudo, o ato de percutir e criar ritmos se confunde com a própria história humana.
A percussão está presente nos rituais e cerimônias religiosas das tribos e clãs mais remotas.
Hoje, por exemplo, a humanidade conhece uma grande variedade de instrumentos de percussão.
Cada qual com características e sonoridades peculiares.
A Árvore Genealógica do Pandeiro
Visto que o universo percussivo é bastante rico, o nosso objeto de estudo restringe-se à família dos membranófonos.
Assim será delineada esta brevíssima História do Pandeiro, da antiguidade aos tempos atuais.
Portanto, convido o querido leitor para, juntos, perseguirmos algumas pistas sobre as possíveis origens e alguns dos ancestrais do pandeiro.
A Família Rítmica na História do Pandeiro
Primeiramente, o pandeiro é um instrumento muito antigo, de origem fenícia e descendente dos tambores.
Mas o que significa dizer que a árvore genealógica do pandeiro é da família dos membranófonos?
Isso significa que este instrumento produz sons através da vibração de uma membrana ao sofrer uma percussão, ou batida, devido ao impacto dos dedos ou da palma da mão sobre a sua superfície.
A princípio, tal membrana é constituída por um material sintético (nylon, plástico) ou couro animal (pele de cabra).
O pandeiro se fez assim mais um objeto utilizado pelos homens ao longo das práticas das suas habilidades manuais sob o comando do cérebro.
Seu formato, ao contrário do que é hoje, era quadrado.
Entretanto, com o tempo foi mudando e sendo aperfeiçoado para uma estrutura mais funcional, até se chegar à forma atual composta por uma armação circular.
História do Pandeiro nas Escrituras Sagradas
Podemos encontrar já nas escrituras sagradas citações de um dos instrumentos que deu origem ao pandeiro. Veja-se por exemplo na referência a seguir:
Sucedeu, porém, que, vindo eles, quando Davi voltava de ferir os filisteus, as mulheres de todas as cidades de Israel saíram ao encontro do rei Saul, cantando e dançando, com adufes, com alegria, e com instrumentos de música.
(Samuel 18:6)
O instrumento a se destacar na citação acima é o adufe, muito parecido com o pandeiro.
À primeira vista, este instrumento entrou na Península Ibérica através dos árabes por volta do século VIII.
O adufe, entretanto, tem membrana bilateral, é geralmente adornado com fitas e não possui platinelas.
Logo depois, à partir da Idade Média, na Europa, adufes, pandeiretas e pandeirolas difundiram-se através dos toques dos artistas ambulantes.
Afinal, pela sua praticidade, eram bastante utilizados em festas folclóricas pela Itália, Espanha e Portugal, até atingirem o ambiente da Côrte e integrarem-se às orquestras.
O Pandeiro no Folclore Brasileiro
Além disso, mais uma citação de Kassab nos mostra como eram fervilhantes as atividades folclóricas do tempo colonial.
Sem dúvida, a presença do pandeiro para “colorir” esses festejos era imprescindível:
[…] Os relatos das festividades, frequentes nas naus e nas terras lusitanas, nos possibilitaram verificar que os nossos colonizadores, por questões educacional e cultural, e aqui destacamos os missionários, se utilizaram de várias estratégias lúdicas, tais como os fandangos, as reisadas, os pastoris, as procissões e as danças dramáticas, que nos fazem lembrar dos autos anchietanos.
(Kassab, 2010: 131)
O Formato dos Pandeiros do Tempo dos Colonizadores
Ainda de acordo com Holler, os instrumentos de percussão mencionados mais frequentemente nos textos jesuíticos da época são os tambores e tamboris.
Entretanto, Holler não deixa também de destacar a presença marcante do pandeiro e descreve as suas semelhanças e diferenças com as versões atuais do instrumento:
O pandeiro era bastante semelhante aos instrumentos que conhecemos hoje pelo mesmo nome, porém sem a pele;
De acordo com Bluteau:
“é a modo de cercadura de uma peneira, com uns vãos ao redor, em que estão metidas umas chapinhas de latão, a que chamam soalhas, que movidas fazem um som agradável e festivo” (2002 [1721], vol. 6, p. 219). […]
Além disso, no vocabulário de Bluteau:
a sonaja é descrita como um arco de madeira, que de espaço em espaço tem umas lâminas, ou rodinhas de metal, que se ferem umas com as outras e fazem uma ruidosa consonância […].
E por fim, Covarrubias apresentou em 1661 uma descrição semelhante:
“um cerco de madeira, que a trechos tem umas rodinhas de metal que se ferem umas com as outras e fazem um grande ruído” (apud ANDRÉS, 1995, p. 359).
(Holler, 2006: 125)
O Pandeiro começa a ganhar o Território Brasileiro
Acima de tudo, os trechos aqui supracitados ilustram a presença do pandeiro na sociedade brasileira colonial dos primeiros tempos.
Com o passar dos séculos a disseminação do instrumento prosseguiu o seu curso ainda mais para os interiores e recantos mais longínquos do país.
A princípio, esse processo foi realizado através das manifestações populares, folguedos e festejos dos povos em constante migração.
De acordo com o livro Folclore Brasileiro de Santa-Anna Nery, podemos ler algumas referências ao instrumento já bem estabelecido na Região Norte do país:
Melo Morais Filho conta que, na véspera de Reis, tira-se os cocos em todo o norte do Brasil. Na Amazônia, eu os vi tirar na festa de Pentecostes.
Certa noite de maio de 1887, meu amigo advogado D. O. Braga Cavalcanti e eu nos dirigimos em canoa a uma casa de campo nas imediações de Manaus.
Estava muito escuro e nossa canoa perdera-se no dédalo de igarapés. De repente, os sons dum pandeiro bateu em nossos ouvidos. Atracamos.
Na casa rústica, um grupo de mestiços e de tapuios festejava Pentecostes, cantando num tom gritado: […]
(Santa-Anna Nery, 1992: 75)
ou por fim no seguinte trecho:
Um rancho ali chegou inopinadamente, esmolando, em procissão, para a festa de São Tomé.
Homens e mulheres tinham vestido os seus mais belos adornos. As mulheres tangiam tamborins adornados de fitas. […]
(Santa-Anna Nery, 1992: 76)
Pandeiro: um Escudo na Luta Social
Mas esse estado notório de ligação do pandeiro com o samba não foi alcançado sem momentos de contenda.
Historicamente, o samba aliou-se ao pandeiro pois este serviu-lhe como uma espécie de escudo social.
Ambos vivenciaram na pele, assim, as dificuldades na luta pelo estabelecimento na sociedade brasileira:
Cantado e louvado por tantos, ele (o samba) foi e é rejeitado, sendo ainda acusado por tantos outros – música “de negro”, “de pobre”, “cafona”.
É bom não esquecer o famoso “é proibido batucar” que aparece em tantos bares – de portugueses, dizem os inimigos da proibição – ou a perseguição policial de que foram vítimas, no começo do século, tanto o samba quanto os sambistas. […]
Um dia de maio do ano de 1918 eu estava na Penha, participando da festa e do samba.
A polícia veio, acabou com a nossa festa e ainda quebrou o meu pandeiro.
A polícia sempre tomava os nossos instrumentos porque ela achava que preto era briguento, fazia capoeira e o instrumento de percussão servia como arma. Ignorância!
(Pereira, 2003: 18)
Essas citações ilustram, então, os preconceitos sociais enfrentados pelo samba e, em particular, pelo pandeiro.
Mas a cultura do samba soube se impor e se transformar em símbolo nacional.
Da mesma forma, o pandeiro acompanhou essa “vitória cultural” do samba. e também conquistou o seu espaço no cenário da música brasileira.
Em seguida, o pandeiro foi construindo a sua “própria personalidade”.
Não só se desvencilhou do rótulo de servir “apenas” ao samba mas também conquistou universos rítmicos bem mais variados.
Talvez a maioria das pessoas ainda veja dessa forma.
Referências:
Por fim, gostaria de transcrever aqui nesta seção final, algumas das referências que utilizei para a elaboração desta breve História do Pandeiro.
Livros e Revistas Pesquisadas
GIANESELLA, E. F. (2012), O Uso Idiomático dos Instrumentos de Percussão Brasileiros: principais sistemas notacionais para o pandeiro brasileiro. Revista Música Hodie.
MOTA, M. (1991), Bê-A-Bá de Pernambuco. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana.
PEREIRA, C. A. M. (2003), Cacique de Ramos: Uma história que deu samba. Rio de Janeiro: E-Papers Serviços Editoriais.
TABORDA, M. (2002), A viola de arame: origem e introdução no Brasil.
Santa-Anna Nery, F. J. (1992), Folclore Brasileiro. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana.
Teses Pesquisadas
HOLLER, M. T. (2006), Uma História de Cantares de Sion na Terra dos Brasis: A Música na Atuação dos Jesuítas na América Portuguesa (1549-1759).
KASSAB, Y. (2010), AS ESTRATÉGIAS LÚDICAS NAS AÇÕES JESUÍTICAS, NAS TERRAS BRASÍLICAS (1549-1597).
MENEZES, A. S. (2012), Entre pátrias, pandeiros e bandoneones – O embate entre vozes marginais e disciplinadoras em composições de samba e tango (1917-1945).
Para Maiores detalhes leia Pandeiro Workshop de João Araújo
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